O Projeto Arte e Movimento iniciou suas atividades com as oficinas de Práticas Corporais e Mobilidade Humana. O atraso na contratação dos outros dois profissionais se deu pela ausência de interessados no momento do processo licitatório, sendo classificado como licitação deserta até o mês de dezembro/2018 onde se uniram ao Projeto as oficinas de Práticas de Memorização e Yoga e Relaxamento, essa última substituindo as atividades da Oficina de Canto portanto, hoje o projeto conta com uma equipe multidisciplinar de quatro educadores sociais (oficineiros) e um estagiário contrato com recursos municipais. Esse atraso na contratação não afetou a qualidades dos serviços ofertados, mas sim o alcance populacional estipulado no início do Projeto, uma vez que a equipe completa passou a atuar nos últimos seis meses.
As oficinas consistiram em encontros temáticos que abordaram questões físicas, psicológicas e sociais com a população idosa foram e ainda são oferecidas semanalmente nos bairros Rio Bonito, Vila Nova, Lagoa (ILPI Santa Rita e Cruzeiro), Joaquim Zarpelon (Praça do CEU), Nhapindazal e Pedreira e, quinzenalmente nos bairros Riozinho e Engenheiro Gutierrez e nas comunidades de Pinho de Baixo, Monjolo e Vila Rural, interior do município. Os locais de encontro variam entre Centros de Convivência, Centros Comunitários e pavilhões de igrejas, onde não há espaço público municipal.
Todas têm em comum o caráter socioeducativo que permeia a prática, ou seja, são trabalhadas questões de interesse da população idosa em consoante com a Política Nacional de Assistência Social no tocante aos temas a serem desenvolvidos dentro do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) (Brasil, 2017), e que tem por objetivos a essa faixa etária:
-Contribuir para um processo de envelhecimento ativo, saudável e autônomo;
-Assegurar espaço de encontro para pessoas idosas e encontros intergeracionais, de modo a promover a sua convivência familiar e comunitária;
-Detectar suas necessidades e motivações, bem como desenvolver potencialidades e capacidades para novos projetos de vida;
-Propiciar vivências que valorizem as suas experiências e que estimulem e potencializem a capacidade de escolher e decidir.
Todas a atividades realizadas contaram com planejamento semanal, onde também foram discutidas as questões advindas dos grupos, além de formações regulares oferecidas pela equipe de coordenadores do Serviço de Proteção Básica da SMAS.
As metodologias utilizadas foram amplas, porém todas tiveram em comum a união de práticas manuais, rodas de conversa, atividades físicas e dinâmicas de grupo, além da realização de Bailes e Bingo. Essa variedade de abordagens ainda pode ser vista no desenvolvimento dos trabalhos com os grupos ainda hoje.
Outra questão importante a ser colocada, reside na dificuldade em mobilizar as comunidades do interior do município. Questões como baixa adesão de participantes, desinteresse pelos temas sugeridos e questões envolvendo lideranças comunitárias foram levantadas durante as tentativas de formação de grupos, resultando em insucesso em algumas comunidades. Esse último aspecto, se deu através da negativa no empréstimo do espaço comunitário e até mesmo tentativa de algum benefício financeiro como o pagamento da conta de energia elétrica. Em parte pode ser explicado, pela até então ausência de trabalhos dessa categoria no interior do município, sendo as atividades em grupo oferecidas por instituições religiosas e órgãos institucionais de extensão rural, ou seja, a formação de grupos se dá principalmente, na oferta de cursos pontuais e com vistas à geração de renda, esse efeito é agravado uma vez que a aposentadoria possibilita um acréscimo na renda, não significando o fim do trabalho porque as funções continuam a ser desempenhadas após a aposentadoria e contribuem para melhorar a qualidade de vida e acesso a bens de consumo. Essa característica pôde ser observada em época de safra, principalmente de fumo, onde os grupos de comunidades produtoras se desfizeram, restando pouquíssimos participantes.
Mesmo na região central do município, os técnicos atuantes no trabalho socioassistencial percebem a dificuldade em mobilizar comunidades onde não há um espaço utilizado para essa finalidade, como um Centro de Convivência, isso também pôde ser percebido no interior do município.
Com a ideia de construir o vínculo necessário entre os participantes, as oficinas de Mobilidade Humana no início do Projeto, se deram através de rodas de conversa, dinâmicas e jogos. Os temas trabalhados versaram sobre identidade individual e autoimagem (Fig. 3), identidade de grupo mas também os dilemas e prazeres do processo de envelhecimento, além do levantamento das demandas principais e compartilhadas pelos grupos, o mesmo processo ocorreu nos grupos formados pelos educadores das oficinas de Yoga e Relaxamento e Práticas de Memorização, contratados após os início das atividades.
Figura 3: Oficina sobre identidade e autoimagem "Para quem você tira o chapéu" com o grupo de Engenheiro Gutierrez nas oficinas de Mobilidade Humana.
Trabalhar a questão da autoimagem e identidade individual é de extrema relevância para o entendimento dos idosos sobre a importância que ocupam no seio familiar e comunitário, assim, identificando seu valor no requerimento de direitos. A Dinâmica “Para quem você tira o chapéu, foi realizada de modo que os participantes não soubesses de quem se tratava a pessoa da foto presa dentro do chapéu (espelho) sendo após desafiados a falar três qualidades da “pessoa” sem revelar quem era, gerando surpresa e gargalhadas. Nos grupos, onde a pessoa não se sentia confortável a falar sobre si, depois de revelada a brincadeira, os colegas se pronunciaram sobre a importância deles no grupo com palavras de carinho e gentileza.
Romper o paradigma do idoso passivo e desconhecedor de seus direitos, é a premissa dos trabalhos com idosos no município, sendo que os mesmos discutiram temas que até então eram considerados desinteressantes aos idosos, como direitos, construção física das cidades, violências, entre outros. Culminando com a participação dos grupos durante a realização das Pré-Conferências dos Direitos da Pessoa Idosa, onde discutiram e avaliaram políticas públicas em educação; saúde; assistência social e previdência; moradia e transporte, lazer, esporte e cultura; combate à violação de direitos e conselhos de direitos de maneira assertiva e participante.
Encontros realizados de forma automática impedem que os educadores conheçam a realidade dos idosos e impossibilitam a troca de conhecimentos. Segundo Torres (2013), para o fortalecimento do trabalho social na política de assistência social, é necessário o desenvolvimento de conhecimentos sobre situações de sofrimento, para tomá-las como demanda na atenção do trabalho e a superação de práticas conservadoras que ao desvalorizar o sujeito terminam por se constituir como expressão de segregação e não de proteção. A oficina sobre “Onde ficam os sentimentos do idos@” buscou dar voz aos sentimentos dos idosos, muitas vezes isolados do convívio familiar, no que tange suas escolhas e conhecimentos (Fig. 4)
Figura 4: Oficina de trabalhos manuais para discutir “Onde ficam os sentimentos do idoso” com o grupo do Riozinho
As oficinas de Mobilidade Humana cumpriram com seu papel enquanto objetivos delimitados, porém avançaram nesses objetivos no que compete o olhar crítico quando se tem acesso ao conhecimentos dos direitos, funcionando como mola propulsora à participação cidadã dos idosos no momento da Conferência Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa. As atividades realizadas foram desenvolvidas em torno de um eixo temático, representado por um direito fundamental presente no Estatuto do Idoso, porém não foi limitado ao direito somente, como descrito em lei, e sim objetivando uma visão mais ampla, para que, além do conhecimento do direito específico, haja a melhoria na qualidade de vida. Como exemplo, no encontro dedicado ao tema alimentação, foram discutidos: o percurso necessário ao encontro do direito, cultura alimentar, importância da ingestão de grupos de alimentos para a manutenção da saúde dos idosos, entre outros, de forma a fazer a interface aos temas saúde e renda, por exemplo, uma vez que são integrados e constituem a base do direito primordial dos indivíduos que é o Direito à Vida. Todas as práticas pensadas pelas oficinas de mobilidade conversam com o direito exposto mas também apontaram caminhos dentro da Rede na resolução de demandas que não são competência da Política de Assistência Social, como saúde mental, no entendimento de mobilidade também como acesso à informação no que tange a seguridade dos direitos
Pensando na importância dos vínculos familiares na superação de dificuldades e ampliação de potencialidades, o público das oficinas pôde ser caracterizado em sua maioria por idosos, porém houve casos em que pessoas de outras faixas etárias participaram, seja acompanhando os pais e avós ou mesmo por interesse. A acolhida dessas pessoas no grupo foi a mesma, principalmente pela ideia da importância de um trabalho intergeracional. Para Magalhães (2000), “Aproximar gerações é objetivo do trabalho social que busca quebrar barreiras geracionais, eliminar preconceitos e vencer discriminações”.
Com essa proposta específica, foram realizadas oficinas entre idosos e crianças, reforçando a importância do trabalho multidisciplinar. A escola Municipal dos Colonizadores, elaborou o projeto pedagógico do ano de 2018 com base na relação entre os avós e as crianças da escola. As atividades propostas contavam com a colaboração das crianças e dos idosos, não necessariamente seu avós, na confecção de almofadas para o “cantinho da leitura” e pomadas medicinais, mas também trocaram experiências sobre suas brincadeiras favoritas (Fig. 5).
Para Novaes (1997): “A criança e o idoso talvez se reúnam em uma dimensão intemporal do ser, a qual eles pertencem por direito, um por não haver ainda saído dela e o outro por tê-la reencontrado”. O resultado mais interessante dessa prática residiu, justamente, no fato de as duas gerações ainda compartilharem boa parte das brincadeiras e levarem o encontro como se a idade cronológica realmente não existisse.
Figura 5: Oficina Intergeracional “construção do cantinho da leitura”
Essa ponte invisível que une gerações é um dos caminhos encontrados pelos trabalhadores do Projeto, haja visto a possibilidade de na lembrança das experiências o idoso encontre ferramentas para superar desafios diários mas também como um caminho de transmissão de saber, acumulado durante a vida, fator que colabora para o sentimento de pertencimento, melhorando muitas vezes sua autoestima. As oficinas buscaram demonstrar a importância do legado sociocultural desses idosos objetivando com isso a valorização da pessoa idosa mas também a ponte de acesso emocional entre idosos e crianças.
Esse conhecimento, construído ao logo da vida, pôde ser percebido em todas as rodas de conversa, principalmente nas que discutiam segurança alimentar e nutricional, surgindo diversas propostas de políticas públicas, como a construção de quintais urbanos e a incorporação de vegetais na cesta básica fornecida como benefício eventual. Nesse contexto, em parceria com a Cáritas Diocesana de Ponta Grossa, o projeto viabilizou uma horta de plantas medicinais no bairro Pedreira, esse é um conhecimento milenar e carregado de sentidos, sendo repassado por gerações e que vem se perdendo pelo próprio modelo econômico vigente, porém de extrema importância aos nossos idosos, que possuem forte ligação com o rural (Fig. 5)
Figura 6: Oficina sobre plantas medicinais: confecção de extratos naturais e pomada cicatrizante
Nesse mesmo grupo são discutimos além dos temas já elencados, questões sobre qualidade do meio ambiente, autocuidados naturais, como a confecção de pomadas e novos projetos de vida, como a comercialização dos materiais confeccionados no futuro pelo projeto, como mudas, sementes, pomadas e extratos naturais.
Caminhando em interface às oficinas de Mobilidade Humana durante o início do Projeto, mais densa em sua construção, as oficinas de Práticas Corporais forneceram a leveza necessária à discussão de temas tão complexos e reflexivos, complementando a importância de atividades preventivas em saúde e bem-estar, principalmente no entendimento do corpo com algumas limitações ocasionadas pelo processo de envelhecimento. O trabalho interdisciplinar é o grande salto nos trabalhos com a população idosa, inclusive as oficinas são oferecidas em sistema de rodizio, para que todos os temas sejam abordados pelos educadores.
As oficinas de Práticas Corporais também entremearam as atividades de lazer como o momento do Bingo e do Baile, também passeios de trenzinho e caminhadas, além do planejamento semanal do projeto (Fig. 7).
Figura 7: Atividades de lazer realizadas com os Grupos das Oficinas de Práticas Corporais
Fornecendo ferramentas importantes no que tange à saúde dos usuários, todas as atividades físicas realizadas nos grupos foram pensadas para que os usuários pudessem realiza-las também em suas casas. Outra atividade interessante e com grande adesão foram os “I Jogos Alternativos” (Fig. 9) com o grupo do Rio Bonito, pensando também em expandir essa atividade nos outros grupos.
Figura 8: Jogos Alterntivos com o Grupo Rio Bonito
Os Jogos foram realizados em parceria com o educador das Oficinas de Práticas de Memorização e do estagiário do Projeto, visando também construir um vínculo para atividades já programadas nesse grupo e que se iniciarão no mês de agosto.
As oficinas de Memorização supriram uma lacuna nas atividades com a população idosa, no entendimento da importância dessas atividades no retardo dos processos senis cerebrais mas também como forte aliada no resgate das histórias de vida dos idosos, muitas vezes isolados do convívio familiar.
As atividades foram elaboradas utilizando-se desde jogos de tabuleiro como dama e xadrez, como atividades simples de caça-palavras, jogo-da-velha e jogos de memória (Fig 10).
Figura 9: Atividades de Memorização com o grupo Engenheiro Gutierrez
Mostrar novas possibilidades de atividades rompendo os paradigmas nos trabalhos com a população idosa também pôde ser percebido nas oficinas de Yoga e Relaxamento. Por questões de planejamento da educadora, as oficinas são realizadas em cinco grupos, sendo um deles a Instituição de Longa Permanência (ILPI) Santa Rita, sendo assim oferecidas semanalmente (Fig. 10). As atividades dessa temática buscam a diminuição de episódios de ansiedade e depressão, autocuidado e cuidado com os demais, importância de uma alimentação equilibrada, fortalecimento de relações comunitárias e familiares e melhora da mobilidade física entre outros.
Os relatos dessa oficina são surpreendentes, principalmente em relação à mobilidade mas também no controle das emoções, na diminuição do estresse diário e, principalmente, no sentimento de pertencimento do “não sentir-se só” como relatado por uma idosa.
Figura 10: Oficinas de Yoga e Relaxamento com os grupos intergeracionais e com os residentes da ILPI Santa Rita
Mais do que oficinas mecânicas e sem reflexão, o Projeto buscou ao longo dos meses construir pontes entre os grupos, tão desconectados anteriormente, mas também entre os próprios participantes de cada grupo na ideia primordial de que os grupos do SCFV buscam a identificação e fortalecimento das competências individuais, visando a construção de vínculos comunitários e familiares, no entendimento que nosso trabalho tem início, meio e fim.
A autonomia dos sujeitos na resolução de suas demandas ou nos caminhos que levam uma melhor compreensão dessa resolução só é conseguido quando os usuários entendem seu papel de protagonistas de suas histórias, quando se sentem capazes e fortalecidos exercendo seu papel de cidadãos na briga por seus direitos, por isso, no entendimento dos trabalhadores do projeto, todas as oficinas trabalham em algum momento o estatuto do idoso, os caminhos de acesso ao direitos e a participação em locais como Audiências Públicas ou até mesmo na Conferência dos Direitos da Pessoa Idosa, realizada no dia 11 de junho de 2019.
Foram realizadas 14 Pré-Conferências com os grupos já formados onde discutiram e avaliaram políticas públicas em educação; saúde; assistência social e previdência; moradia e transporte, lazer, esporte e cultura; combate à violação de direitos e conselhos de direitos de maneira assertiva e participante. (Fig. 11)
Figura 11: Pré-Conferências dos Direitos da Pessoa Idosa