Inicialmente os usuários por serem acamados, recebiam visitas médicas, momento em que iniciava-se o preenchimento do formulário padronizado pela Secretaria Municipal de Saúde para acesso a fraldas e insumos cirúrgicos (gaze, óleo de girassol, medicamentos específicos etc). Na sequencia, procuravam o Serviço Social da UBS para realização da avaliação social. Estávamos em fase de migração dos prontuários físicos para os eletrônicos, o que facilitou a compreensão da equipe multidisciplinar sobre a integralidade da assistência e reduziu a fragmentação do cuidado.
Na consulta social, depois da realização de uma pós-graduação em Cuidados Paliativos e vários cursos promovidos pela UNASUS e outras entidades sobre Envelhecimento e também sobre Comunicação de Notícias Difíceis/ Comunicação Não Violenta, passamos a adotar uma escuta mais sensível e compassiva, primando pela biografia e o legado da pessoa enferma e que transitava para sua finitude. Na entrevistas com familiares (no consultório ou nos domicílios), eram aplicadas as escalas apropriadas (PPS, KPS, FAST, ZARIT, conforme o caso), colhidas informações dos próprios usuários e familiares sobre expectativas prognósticas e desejos finais. Eram também realizadas orientações sobre Diretivas Antecipadas de Vontade (documento que corresponde a um plano de cuidados, sintonizados com os valores, crenças e desejos do usuário) em plena conformidade com o Art. 17 do Estatuto da Pessoa Idosa (Ao idoso que esteja no domínio de suas faculdades mentais é assegurado o direito de optar pelo tratamento de saúde que lhe for reputado mais favorável). Sem nenhuma intenção de romantizar momentos difíceis nem criar expectativas irreais, nesse primeiro momento e de forma mais intimista, conversávamos sobre direitos, implicações éticas, limites judiciai, além das potencialidades e barreiras institucionais da Rede de Atenção à Saúde, notadamente do SUS.
Diante da elevada demanda, passamos a sensibilizar os demais profissionais que foram aderindo à proposta e aos pouquinhos, se interessando para discutir suas respectivas condutas à luz dessa nova abordagem.
Os atendimentos domiciliares eram realizados segundo o protocolo municipal, mas sempre que possível, com uma abordagem mais humanizada e tecnicamente preparada para lidar com a morte, entendendo-a como parte integrante da própria vida. Sempre que os cuidadores apresentavam fadiga por compaixão, eram encaminhados, caso desejassem, para acompanhamento psicológico e/ou práticas integrativas complementares (Reik, massoterapia e florais), exercida por profissionais da própria equipe. Fazíamos também assistência pós-óbito às famílias enlutadas.
Quando possível, lançávamos mãos de um grupo de convivência da UBS chamado "De Bem com a Vida" para reforçar a rede de apoio, que em muitos casos, era insuficiente.
O ponto de culminância eram os encontros nos "Chá Paliativo", mediante divulgação do banner que ficava na recepção, além da divulgação feita diretamente pelos profissionais. Não havia obrigatoriedade para participação, pois a equipe estava ciente do cansaço extenuante de muitos cuidadores. A participação era facultada, mas na última terça-feira de cada mês, no período vespertino, a equipe (excetuando-se a médica), bloqueava as respectivas agendas para participar. De início era servido um Chá de Cidreira (natural e fresquinha), colhida pela manhã do quintal de D. Heloísa (uma das zeladoras). O chá possui efeito termogênico e funcionava como um calmante natural. Às vezes fazíamos oficinas de funcionalidade, para iniciar o diálogo e "quebrar o gelo". Porém, nessas oficinas, quem assumia o protagonismo eram os cuidadores/ familiares, nos apresentando uma síntese da biografia de seu ente querido: "quem era e como está!". O direito de fala nunca era cerceado e a equipe se colocava mais na condição de "escutadores" do que tradicionalmente de "oradores". Ao fim, era comum encerrarmos com uma música, poesia ou algum ritual religioso (oração, reza), a pedido dos presentes. Sempre que possível, a fralda também era disponibilizada no mesmo dia para evitar as múltiplas saídas dos cuidadores por situações que pudessem ser resolvidas na hora. No final do ano de 2019, aproveitamos a expressão "fim de ano" para discutir nossa finitude e realizar a confraternização das famílias paliadas com muitos depoimentos emocionantes sobre nossas intervenções.