A área de abrangência desta USF fica localizada na região geográfica e socioeconômica mais privilegiada de Aracaju, sendo uma das possíveis razões pelas quais a cobertura da ESF é baixa e possivelmente um dos indicadores de maior longevidade populacional.
No entanto, apesar destes idosos (alguns até centenários) não serem na sua totalidade SUS dependentes, cada vez mais recorrem ao SUS, seja porque os insumos que necessitam não são ofertados pela Saúde Suplementar, seja porque os valores cobrados pelos planos privados tornaram-se impagáveis para algumas famílias, seja porque a depender do grau de dependência deste idoso são conjugadas várias outras despesas que oneram o grupo familiar e/ou ainda pela oferta insuficiente, do ponto de vista financeiro, de Serviços de Atenção Domiciliar na rede privada, viável ao orçamento das famílias. Esta realidade tem provocado um efeito migratório e intenso para assistência a pessoas idosas que até então não se percebiam como usuárias do Sistema Único de Saúde.
A maior demanda deste grupo etário, indubitavelmente são a imunização, que dispensa a vinculação territorial, a assistência farmacêutica e os insumos médicos-cirúrgicos, fraldas geriátricas e torpedos de Oxigênio. Para qualquer uma dessas demandas, as famílias dirigem-se à recepção onde são gerados os números dos Prontuários Eletrônicos. Aguardam sentados próximos à recepção e um painel digital vai anunciando-os e dirigindo-os para a sala adequada.
No caso do Serviço Social, convém destacar que desde 1996 que este profissional integra a APS em Aracaju e lida com a diversidade de demandas vinculadas ao seu núcleo profissional e ao perfil da população adscrita. Na USF D. Sinhazinha, tem sido comum familiares e cuidadores chegarem com prescrição de médicos da Saúde Suplementar, dada a inexistência deste profissional para a extra-área, solicitando os insumos acima.
Diferentemente das outras USF de Aracaju, a primeira consulta não é com o médico para visitar o usuário no domicílio, diagnosticar e tratar a doença, mas com a assistente social que após anamnese e lançamento das informações no PE, elabora um laudo socieconômico, anexa a documentação solicitada pela SMS (cópias de comprovante de residência, relatório e receituário médico recente, com CID compatível com as doenças crônicos-degenerativas previamente listadas pela Secretaria de Saúde, informando obrigatoriamente que se trata de pessoa acamada e com incontinência urinária e fecal, RG e CPF do usuário e de seu responsável).
Depois desse primeiro contato (onde já é perceptível o sofrimento dos familiares que conjugam a proximidade do luto com dificuldades financeiras e operacionais na USF) já se adotam orientações paliativas dirigidas aos cuidadores ( no decorrer da consulta sempre que possível, tem-se optado pela remoção de birôs para evitar barreiras físicas e gerar uma proximidade e humanização na consulta, o exercício da escuta qualificada, seguido de silêncios, pausas prolongadas, choros, desabafos, estreitamento de laços, e elaboração de um plano de cuidados contido no PE centrado na pessoa e não na doença (ex. Quando se trata de familiares de pessoas idosas com Alzheimer, estamos orientando que assistam o filme disponível em streaming e no Youtube "Para Sempre Alice", para pessoas com dificuldade de aceitação da morte anunciada recomenda-se assistir um dos filmes "balada para Narayama" ou "Whit uma lição de vida", conforme o caso. Há também a sugestão de leitura de alguns livros, como "uma Furtiva lágrima" de Nélida Piñon, "Bagagem" de Adélia Prado, "Uma morte muito suave" de Simone de Beauvoir, poesias de Clarice Lispector, Cecília Meireles, Cassimiro de Abreu ou Cora Coralina e músicas de cantores que transformaram em melodia a brevidade do tempo, a exemplo de Gilberto Gil que afirma que "morrer deve ser tão frio quanto na hora do parto" e também de Lenine que indaga que "será que é tempo que lhe falta para perceber?". Não raro, o fim das consultas terminam com um abraço afetuoso e com um retorno programado, agendado no prontuário eletrônico, onde dá-se sequência aos cuidados tanto do usuário quanto de seu cuidador. Depois desse contato fundamental para a elaboração do Projeto Terapêutico Singular, algumas informação são planilhadas e seguem para a gerente, junto com mais dois formulários específicos, também preenchidos pela assistente social, exigidos pela Secretaria.
Na sequência, uma das médicas da USF transcreve as solicitações dos profissionais da rede privada para um receituário do SUS. Reunido este verdadeiro dossiê, a gerente escaneia e encaminha ao núcleo responsável na Sercretaria Municipal de Saúde. Pela Nota Técnica, o processo levaria até dois meses para ser analisado, mas a demanda crescente, tem feito com que estas situações se arrastem até um semestre, acontecendo inclusive casos de óbitos antes mesmo da concessão de algum dos insumos.
Neste intervalo de tempo, a assistente social e a odontóloga, avaliam conjuntamente os casos elegíveis para cuidados paliativos, que são praticamente todos, e elaboram o planejamento das visitas, informando a gerente a necessidade de transporte. A existência da anamnese social e o receituário médico com o CID não substituem a participação de uma ESF diretamente vinculada a estas pessoas, sobretudo o agente comunitário de saúde, mas evitam que as profissionais cheguem nos domicílios completamente "cruas" como se fôssem realizar uma visita social e não uma intervenção técnica fundamentada em evidências científicas.
As visitas, são uma extensão, porém com maior profundidade do que aconteceu na consulta social, pois acontece no espaço arquitetônico prenhe da história da pessoa que enfrenta a terminalidade. É neste momento que a odontóloga se soma, avaliando as condições de saúde bucal e colaborando nas ações paliativas. A depender das relações pregressas construídas entre a pessoas acamada e a família, a morte pode ter significados diferentes: pesar, vingança, libertação, alívio, perda, revolta, abandono.
Quando o caso permite, considerando que as famílias não são uniformes, abordamos o papel social que a pessoa ocupa, quais serão as novas fontes de sobrevivência, quais medidas práticas devem ser adotadas em caso de morte no domicílio, desmistificamos o protagonismo que os domicílios vêm desempenhando ultimamente: fornecimento de alimentos deliverys, igrejas em células/ nos domicílio, partos domiciliares, tendência (discutível, mas existente) de home school, realização de inúmeros serviços de beleza, de saúde, por aplicativos nos domicílios e por que não, mortes nestes ambientes, como era no passado? Tentamos levantar os desejos ocultos quando os usuários ainda estão responsivos, lúcidos e demonstram interesse na abordagem, mas evitamos fatiga-los com excesso de perguntas.
Observamos se existem lacunas psicossociais possíveis de serem preenchidas para reduzir o desconforto psicossocial e espiritual: exercício do perdão, revelação de segredos, consumos de comidas com "afetos" se não houver contraindicação nutricional ou médica, rever pessoas queridas que estão distantes, vontade de circular em lugares que os conecta com a espiritualidade (jardins, contemplar o mar, ver o pôr do sol, tocar em animais de estimação, ouvir o canto de pássaros, escutar músicas que fizeram parte de sua história ), entre outros.
Quando se trata de pessoa sem prejuízo cognitivo, esclarecemos também o que é testamento vital e reafirmamos o direito da pessoa de exercer sua autonomia sobre procedimentos invasivos e técnicas de reanimação que deseje ou não que lhe seja imputados. A família também é sensibilizada para respeitar a opção religiosa da pessoa que está sob cuidados paliativos, independente da diversidade de credos religiosos e até da inexistência desses por outros familiares. São também orientados a, na medida do possível, solicitar visita de lideranças religiosas em conformidade com a opção da pessoa idoso, evitando violação e intolerância religiosas, diante da vulnerabilidade física da mesma.
Nos casos em que o óbito antecede nossa visita (tendo nós conhecimento ou não do mesmo), verificamos se há necessidade de encaminhamento do familiar para algum serviço de Saúde Mental disponível na rede assistencial do município, fornecemos orientações cartorárias e previdenciárias e fortalecemos o vínculo com a família que como dito no início, praticamente inexistia.