Introdução No dia-a-dia da Unidade de Referência à Saúde do Idoso Geraldo de Paula Souza (URSI-GPS), serviço da Atenção Especializada da RASPI voltado ao atendimento à população idosa fragilizada com perda funcional importante, notamos duas principais posturas dos usuários encaminhados: aqueles que buscam algum atendimento específico como solução para seu adoecimento (normalmente atendimento médico) e aqueles que tem total desconhecimento do próprio processo de saúde e não sabem o porquê do encaminhamento.
Essas duas posturas evidenciam lógicas de saúde sobre as quais consideramos relevante refletir e intervir:
cuidar da saúde é o mesmo que eliminar os sintomas agudos;
cuidar da saúde é obedecer passivamente aos encaminhamentos realizados pelas equipes de saúde, as quais teriam todas as respostas e condutas para os problemas apresentados
Considerando o público alvo da URSI - pessoas idosas fragilizadas que apresentam questões crônicas de saúde - é ineficaz focar o cuidado à pessoa idosa somente na eliminação dos sintomas agudos. É preciso mudar a perspectiva de cura para a perspectiva de controle das condições crônicas e prevenção de agravos e isso implica em criar uma série de estratégias e dispositivos que modifiquem o olhar que o usuário tem sobre saúde.
Como o Documento Norteador - Unidade de Referência à Saúde do Idoso (2016) nos lembra, a Atenção à Saúde da Pessoa Idosa (ATSPI) tem como dois de seus princípios: adoção de critérios globais que levem em consideração o idoso como um ser integral; e a intensa participação dos usuários (p.13). Vale salientar que a Política Nacional de Humanização (PNH) (2003) também enfatiza a necessidade de caminharmos rumo a uma construção mais coletiva nos processos de produção de saúde para garantir um atendimento humanizado.
A integralidade do cuidado só é garantida se o conhecimento que o usuário tem de si for incorporado como norteador do plano de cuidado, levando o sujeito a ocupar o lugar de protagonista desse processo. Para tanto é preciso investir na desconstrução de lógicas de saúde focadas na eliminação de sintomas agudos e apoiadas apenas no saber médico.
Para isso vimos como fundamental organizar o fluxo de atendimento da URSI Geraldo de Paula Souza, tendo como norte a humanização do cuidado e a circulação autônoma do sujeito pela RASPI.
Objetivos -Organizar um fluxo de atendimento da URSI Geraldo de Paula Souza que garanta a efetivação dos princípios da ATSPI pactuados no Documento Norteador - Unidade de Referência à Saúde do Idoso (2016):
-atenção integral à saúde dos usuários
-garantir que o usuário ocupe papel central e estruturante no cuidado
-investir na autonomia e independência dos usuários
-melhorar a capacidade funcional dos usuários
-aprimorar a relação idoso-cuidador/familiar/rede
-compor a RASPI enquanto serviço parceiro dos demais pontos de Atenção
Público alvo Idosos (mais de 60 anos) dos sexos masculino e feminino, com variados graus de depedência
Divulgação Por meio da equipe técnica da URSI Geraldo de Paula Souza
Número de participantes 490
Atividades 1- Linha de cuidado dos usuários da URSI Geraldo de Paula Souza: implantação da função “profissional de referência” como atribuição de trabalho aos profissionais da URSI Geraldo de Paula Souza; criação de um grupo de entrada do serviço, para receber os pacientes, fornecer informações a respeito do funcionamento do serviço e mapear dúvidas iniciais a respeito do tratamento; e elaboração de uma grade de grupos construída a partir dos 3 grandes eixos do conceito de capacidade funcional: físico, mental e social.
a-implantação da função “profissional de referência”: baseamos a adoção dessa estratégia na experiência observada nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que organizam o cuidado com profissionais de referência, e nas equipes de UBS com Estratégia Saúde da Família, que tem equipes de referência para cada micro área da região de abrangência. Entendemos o profissional de referência como uma ferramenta organizacional que contribui para criação de vínculos de confiança, constância e integralidade de cuidados dos usuários. Na URSI Geraldo de Paula Souza, é o profissional responsável por realizar a primeira consulta do usuário, na qual preenche a Avaliação Gerontológica Global (AGG), prevista pelo Documento Norteador (2016), e tem como principal objetivo iniciar costura entre as demandas trazidas pelo usuário com as possibilidades do serviço, sempre com o auxílio de mais um profissional de nível superior, não médico. Para essa costura, tal profissional deve explicar o funcionamento do serviço, focando sempre no caráter interdisciplinar e de cuidado integral à saúde; organizar os agendamentos de acordo com as principais demandas; facilitar o acesso, disponibilizando-se para que o paciente possa se reportar em caso de necessidade e/ou dúvidas; fazer atendimentos periódicos para avaliar junto ao usuário o andamento do plano de cuidados; realizar busca ativa em caso de faltas consecutivas sem justificativa; elaborar junto com o médico relatórios à UBS; e trazer o caso para os espaços de discussão entre a equipe.
b-Grupo de Entrada: os objetivos dessa atividade são fortalecer o acolhimento do usuário e acompanhantes/familiares recém chegados à URSI Geraldo de Paula Souza; investir na educação em saúde para desconstrução de lógicas focadas somente na doença; trabalhar o exercício de autonomia e independência com usuários e acompanhantes/familiares; facilitar a criação e/ou fortalecimento de redes de apoio. Para tanto são realizados 3 encontros. No primeiro estão juntos usuários e acompanhantes e realizamos uma dinâmica de apresentação na qual eles devem formar duplas com pessoas que nunca conversaram e se apresentar, contemplando dizer nome, UBS de referência e os motivos de estarem na URSI. Após esse momento formamos um grupo único e pedimos para que cada dupla tente lembrar o que conheceu da pessoa com quem conversou, sempre com suporte da equipe em caso de dificuldades. Na apresentação já é possível mapear qual o olhar que os participantes têm sobre cuidado em saúde e provocamos alguns questionamentos e reflexões sobre o tema. Também procuramos dar destaque quando identificamos participantes que frequentam a mesma UBS para incentivar a formação de rede. Por último apresentamos a URSI Geraldo de Paula Souza usando como estratégia partir do conhecimento que os usuários já têm sobre o serviço, de modo a favorecer uma relação de pertencimento dos usuários e acompanhantes em relação ao serviço. No segundo encontro dividimos usuários de acompanhantes, fazendo duas atividades paralelas. Com os pacientes problematizamos o motivo da separação, buscando explorar a temática da autonomia e independência, relacionando-as aos motivos que os trouxeram à URSI Geraldo de Paula Souza. Também procuramos levantar junto aos usuários quais seriam atividades importantes de fazerem na URSI para cuidar da saúde, estimulando que eles tragam sugestões. Com os acompanhantes discutimos a temática da autonomia e independência debatendo as dificuldades que enfrentam no cuidado que despendem aos usuários e oferecemos espaços de cuidado para eles. No terceiro e último dia fazemos um picnic coletivo no jardim e discutimos como foi a processo do grupo, quais as expectativas para o tratamento no serviço, quais as sugestões e retomamos a importância de atividades sociais e de lazer como peça fundamental para garantir uma boa saúde.
c-Grade de Grupos: para elaborar as atividades grupais que oferecemos aos usuários da URSI Geraldo de Paula Souza partimos dos três grandes eixos do conceito de capacidade funcional: físico, mental e social, e criamos atividades interprofissionais baseadas nas demandas trazidas pelos usuários, levando em conta aquilo manifesto e o que percebemos como demanda não manifesta. Isso demandou diálogo entre a equipe e organização de duplas ou trios para elaborar cada atividade, buscando contemplar maior variedade de horários possível. Ao todo são 25 grupos.
2-Organização dos processos de trabalho da equipe da URSI Geraldo de Paula Souza: organização da agenda de todos os profissionais da equipe para garantir 2 horas semanais de discussão de caso, 1h30 semanal de reunião administrativa e 12 horas anuais de parada técnica para avaliação; adoção da Agenda Digital (ferramenta Google Agenda) para que todos os profissionais tenham acesso simultâneo às agendas uns dos outros.
a-Discussão de caso: as agendas de todos os profissionais foram organizadas contemplando 2 horas seguidas e semanais para discussão dos casos atendidos no serviço. Realizamos um rodízio e a cada semana 4 profissionais elencam casos que são referência para compartilhar dificuldades, trocar impressões e construir o Projeto Terapêutico Singular conjuntamente. Esse espaço é fundamental para a concretização do trabalho interdisciplinar e compartilhamento de responsabilidades sobre os casos.
b-Reunião Administrativa: as agendas de todos os profissionais foram organizadas contemplando 1h30 seguidas e semanais para reunião sobre os temas administrativos do serviço.
c-Parada técnica: anualmente suspendemos as atividades assistenciais por dois dias para realizar com toda a equipe o monitoramento e avaliação do trabalho desenvolvido pela URSI Geraldo de Paula Souza. O Documento Norteador - Unidade de Referência à Saúde do Idoso (2016) nos atenta para a importância de mecanismos de avaliação contínua que garantam as mudanças necessárias à ATSPI (p.13). São nessas reuniões que readequamos as atividades oferecidas às necessidades dos usuários, traçamos planos e metas de melhoria do serviço e pactuamos acordos.
d-Agenda digital (Google Agenda): uma das grandes dificuldades que tínhamos era garantir agilidade e autonomia ao profissional de referência para o agendamento das atividades que faziam parte do plano de cuidados dos usuários. Para solucionar esse problema adotamos a ferramenta Google Agenda como forma de facilitar a visualização, acesso e compartilhamento de informações. Para adotar tal ferramenta fizemos uma capacitação informal entre os colegas da equipe e pactuamos alguns combinamos para uniformizar funções. Cada profissional construiu uma agenda no aplicativo espelhando a agenda oficial disponível no SIGA, de modo que foi pactuado que aos técnicos de saúde caberia manusear a agenda do aplicativo e à técnica administrativa lançar os agendamentos e produtividade no SIGA.
3- Efetivação de atividades de Matriciamento e composição da RASPI: organização das atribuições de trabalho dos profissionais (exceto médicos, técnico administrativo e técnicos de enfermagem) para garantir o matriciamento de todas as UBS da Região Oeste do Município de São Paulo e participação em espaços oficiais de reuniões técnicas (Fórum de Reabilitação, Fórum de Saúde Mental, Fórum do Idoso) e Educação Permanente da RASPI Oeste.
a-pilar fundamental do trabalho previsto pelo Documento Norteador das URSI (2016), as atividades de matriciamento são eixo prioritário da URSI-GPS, uma vez que para garantir o cuidado integral da pessoa idosa é essencial fortalecer toda RASPI. Tendo isso em vista, a equipe se organizou de modo a efetivar o trabalho lado a lado com as UBSs referenciadas e a inserção nos diversos espaços de discussão coletiva e intersetorial da RASPI Oeste. Cada profissional, exceto médicos e técnicos de enfermagem, tornou-se referência para cada uma das UBSs da Região Oeste do município de São Paulo, garantindo reunião presencial mensal e facilitando o contato para construção de estratégias de cuidado compartilhadas sempre que necessário. Também nos dividimos para compor os Fóruns RASPI Oeste (Fóruns de Saúde Mental, Fórum de Reabilitação, Núcleo de Prevenção de Violência e os Grandes Fóruns de Proteção à Pessoa Idosa).
O detalhamento aprofundado desse item pode ser acessado no link a seguir:
https://saudedapessoaidosa.fiocruz.br/o-matriciamento-da-rede-de-aten%C3%A7%C3%A3o-%C3%A0-pessoa-idosa-territ%C3%B3rio-e-cuidado-integral
Resultados O vínculo de confiança criado a partir do trabalho realizado pelos profissionais de referência facilita resgatar a autonomia e promover a independência parcial de alguns usuários. Como exemplo podemos citar o caso de pacientes que são proibidos pelos cuidadores/familiares de virem até o serviço sozinhos ou realizarem algumas atividades de vida diárias, apesar de terem vontade e serem capazes, por insegurança ou medo dos cuidadores/familiares. A relação de confiança com o profissional de referência, somada ao respaldo e avaliação técnica dos profissionais da equipe da URSI Geraldo de Paula Souza promoveram, por exemplo, a conquista de pacientes poderem vir ao serviço sozinhos e retomarem algumas atividades domésticas com supervisão dos cuidadores/familiares.
Com participação dos usuários e acompanhantes no Grupo de Entrada, pudemos reforçar o caráter compartilhado de cuidado da URSI-GPS, demonstrando em ato que as condutas da equipe ocorrem de maneira orquestrada e pactuada, respeitando o caráter dinâmico e variável de diferentes situações de vida em que eles se encontram. Muitos se surpreendem com a possibilidade de poder dialogar com a equipe, a qual não apresenta uma resposta pronta e imediata para as questões colocadas, privilegiando um momento inicial em que os usuários e acompanhantes que chegam possam dizer como estão se sentindo com relação ao ato de cuidar e ser cuidado sem que sejam interrompidos ou barrados de alguma maneira. Oferecemos condições grupais suficientemente boas para que os usuários e acompanhantes pudessem apresentar uns aos outros e dizer também o que esperavam de um cuidado de saúde, entendendo que esse é um exercício inicial de elaboração e construção para uma demanda a ser trabalhada no serviço. Por fim, observamos que os usuários e acompanhantes que estiveram presentes no grupo de entrada tiveram uma adesão melhor ao serviço em comparação aos que não estiveram presentes.
Conseguimos adequar nossas ofertas de grupos às demandas trazidas pelos pacientes, o que garantiu maior adesão ao serviço ofertado. Os usuários e acompanhantes puderam perceber as próprias necessidades, muitas vezes, por meio da observação, comentário e crítica a respeito da condição uns dos outros, criando novas estratégias para o cuidado de si e sua rede de maneira não somente sugerida pela equipe de saúde A divisão dos grupos terapêuticos e educativos em três grandes áreas-física, mental e social-, proporcionou à equipe o exercício de articular diferente áreas do conhecimento e ofertar aos usuários oportunidades de perceber essas demandas não dissociadas entre elas dentro de suas próprias dinâmicas de vida. Acordamos em conjunto que as equipes responsáveis por cada grupo proposto poderia praticar rodízio entre os profissionais a propor as atividades em cada dia para que todos pudessem experimentar o papel fundamental de coordenação de grupo e aprofundar-se em diferentes abordagens teórico-práticas.
O fato da reunião de discussão de casos ter como participantes todos os membros da equipe permitiu que pudéssemos compartilhar conceitos teóricos a respeito de todas as categorias profissionais que compõe a URSI Geraldo de Paula Souza e construir condutas a partir de um conhecimento que caminhe rumo à transdisciplinaridade.
As paradas técnicas garantem a construção conjunta dos processos de trabalho e a efetivação de uma dinâmica horizontal, na qual todos da equipe são responsáveis pela construção e avaliação das iniciativas do serviço. É a partir dessa construção horizontal que a humanização do trabalho se presentifica. Além disso, incluir as paradas técnicas como parte das atividades dos profissionais da URSI-GPS assegura que coloquemos em prática o princípio da ATSPI previsto pelo Documento Norteador (2016) de avaliação contínua das atividades desempenhadas.
Toda equipe foi capacitada para utilizar a Agenda Digital (ferramenta Google Agenda), o que dinamizou o trabalho no dia-a-dia, agilizando os agendamentos sem depender da profissional técnica administrativa. Isso trouxe mais autonomia e flexibilidade para cada integrante da equipe.
As reuniões em que pudemos estar juntos às equipes de outros serviços fomentaram discussões rumo a uma compreensão mais coletiva de problemáticas que se mostraram complexas. Realizamos atendimentos compartilhados entre profissionais dos diferentes pontos da Atenção sempre que possível pois acreditamos ser importantes explicitar aos usuários e acompanhantes a integração entre diferentes serviços e pactuar em conjunto os próximos passos possíveis utilizando-se das diferentes vinculações estabelecidas. As equipes de unidades básicas, por exemplo, muitas vezes, conhecem a maioria dos usuários de longa data e podem contribuir muito para pactuar uma conduta de maneira conjunta.
Foi possível e importante conhecer in loco as condições físicas e de trabalho que outros profissionais possuem para a realização do plano de cuidados, principalmente por se tratar de um público atendido considerado frágil em diversos aspectos.
A prática da Educação Permanente permitiu o compartilhamento de conceitos teóricos e serviu como fomento importante para as discussões de caso. A equipe da URSI Geraldo de Paula Souza realizou essa prática dentro do serviço entre membros da equipe e esteve em outros locais ofertando aulas, rodas de conversa e vivências práticas a respeito de temas considerados importantes pelas Unidades Básicas de Saúde. Entendemos esses momentos como fundamentais para a aproximação com as equipes de saúde de maneira a valorizar e aprimorar os conhecimentos de diversos pontos da Atenção à Saúde da Pessoa Idosa.