Introdução Pacientes do SUS, sobretudo, idosos portadores de doenças crônicas, com necessidade do medicamento por problema de saúde não tratado.
Objetivos Adequação das prescrições e acesso aos medicamentos na saúde pública.
Público alvo A casuística composta de 735 atendimentos de portadores de doenças crônicas não transmissíveis, , 50,1% eram demandas do sexo feminino, com idade média 57,7 anos.
Divulgação Comunicado o DRS - XV e as 19 Secretarias de Saúde dos municípios atendidos pelo Hospital Escola Emílio Carlos
Número de participantes 348
Atividades Inicialmente, são consultadas a RENAME e REMUME para análise da disponibilidade da tecnologia farmacológica na saúde pública. Posteriormente, as demandas são acolhidas e os dados são registrados no softaware Microsoft Excel® para análise posterior junto ao prontuário do paciente. Dessa forma, é possível utilizar os indicadores propostos pela OMS para aferir as “situações” farmacêuticas, que visam equacionar os medicamentos disponíveis na saúde pública com aqueles solicitados.
Os medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica – CEAF, são avaliados quanto à necessidade do medicamento prescrito, conforme o diagnóstico e adequação dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), de acordo com critérios de inclusão, como Código Internacional da Doença - CID e exames laboratoriais e imagens, dentro do período de vigência. Tais critérios de inclusão do CEAF são consultados no sítio eletrônico do Ministério da Saúde.
Para todos os protocolos do CEAF, no local do estudo, o processo inicial é realizado pelo especialista, conforme as boas práticas dispostas em Procedimento Operacional Padrão. A reavaliação trimestral da continuidade do tratamento, quando não exigido pelo PCDT médicos especialistas, pode ser realizado nas unidades básicas de saúde. Ainda, como boas práticas e qualidade no serviço, quando possível, são acolhidos os casos de pacientes não estáveis e de reavaliação da continuidade da terapia, sobretudo, os medicamentos imunomoduladores: reumatologia, hematologia e gastrologia. A oftalmologia possui um serviço especifico de atendimento trimestral com o especialista e dispensação de medicamentos para o período.
Caso os exames não tenham sido solicitados ou estejam vencidos para realizar o acompanhamento do tratamento, conforme o PCDT, o farmacêutico clínico está habilitado a expedir o pedido do exame, em conformidade com a Resolução 585 de 201317, capítulo I, parágrafo XI: “Solicitar exames laboratoriais, no âmbito de sua competência profissional, com a finalidade de monitorar os resultados da farmacoterapia”.
Nas situações em que o medicamento prescrito não é disponibilizado pelo SUS, a partir do diagnóstico médico, são estudadas as tecnologias alternativas e disponíveis na saúde pública para possível intercâmbio, as quais são discutidas e validadas junto ao médico do paciente, que realiza a adequação prescrição dos medicamentos.
No caso de ausência de alternativas entre as tecnologias farmacêuticas disponíveis na RENAME, ou limitações aos critérios de inclusão nos PCDT, no estado de São Paulo, em casos de excepcionalidade, é possível preencher uma solicitação administrativa, que consiste em requerimento de medicamento não disponibilizado no SUS à Secretaria do Estado de Saúde.
A procura pelo atendimento neste ambulatório foi classificada utilizando o Terceiro Consenso de Granada que definiu o termo "Resultados Negativos associados à Medicação" (RNM) para se referir aos problemas de saúde do paciente atribuíveis ao uso (ou desuso) de drogas que não atendem os objetivos terapêuticos. Neste estudo, considerou-se como inclusão somente os pacientes cuja procura pelo consultório ambulatorial farmacêutico teve como enfoque a necessidade do medicamento por problema de saúde não tratado.
No período de agosto de 2015 a dezembro de 2017, foram registrados 753 atendimentos no consultório ambulatorial farmacêutico do Hospital Escola Emílio Carlos.
Foram utilizados três critérios de inclusão: 1 – Medicamentos; 2 – Industrializados-alopáticos; e 3 – A necessidade do medicamento por problema de saúde não tratado. Considerando o primeiro critério, “Medicamentos”, foram excluídos sete casos referentes a fórmula nutricional e um caso referente a insumos, como fralda; ao aplicar o segundo critério de “medicamentos industrializados – alopáticos”, foram excluídos dois casos referente a fórmula manipulada; e no terceiro critério “necessidade”, foram excluídos sete casos referentes à segurança e um caso que concerne à efetividade. A amostra final do estudo foi composta por 735 pacientes.
Foram consideradas variáveis relacionadas ao paciente e ao processo institucional. Quanto ao paciente: sexo; idade; natureza da demanda e medicamentos prescritos. Quanto ao processo institucional: clínica de origem; ambulatório ou internação e resolutividade.
A categorização dos medicamentos foi estratificada em RENAME, que compreende o Componente Básico da Assistência Farmacêutica, Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica, Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, Relação Nacional de Insumos e Componente de Medicamento de uso Hospitalar; Não RENAME (medicamentos que não compõe a padronização da Saúde Pública) e outros (medicamentos de protocolo da Quimioterapia e insumos disponibilizados no programa Aqui tem Farmácia Popular do Brasil).
Dessa forma, a “natureza de demandas” foi estratificada entre:
1. Adequação aos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do SUS para medicamentos que constam na RENAME, ou na Relação Municipal de Medicamento Essenciais (REMUME) e Estadual de Medicamentos (RESME), considerando não conformidades nas prescrições, laudo e termo de consentimento à necessidade de realização de exames laboratoriais;
2. Não conformidade, para prescrições incorretas, para medicamentos não disponíveis na RENAME, sem critério de inclusão nos protocolos, prescrito com nome comercial ou apresentação não disponível e solicitações administrativas negadas;
3. Processo administrativo, para casos não responsivos, refratários aos medicamentos ou órfãos de tratamento na RENAME em que foram preenchidos os documentos para solicitar o acesso via saúde pública à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo;
4. Demanda para Atenção Básica, que se refere aos casos de reavaliação dos processos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, os quais são realizados pelos médicos generalistas das unidades básicas de saúde, de acordo com o processo de trabalho dos municípios atendidos
Quanto à variável “resolutividade” foi classificada clínica e administrativa e estratificada em quatro subcategorias:
Intervenção clínica
1. Farmácia Clínica, quando houve demanda do profissional técnico e suas habilitações, para solicitações de exames e acompanhamento farmacoterapêutico;
2. . Intercâmbio, com análise e propostas de troca de medicamentos contidos na RENAME;
Intervenção administrativa
3. Correção da documentação/preenchimento, para casos de documentos não conformes; e
4. Renovação da continuidade do tratamento do CEAF, trimestralmente requerido.
Quanto à variável “tipo de medicamento”, foi utilizado o sistema de classificação Anatomical Therapeutic Chemical – ATC, recomendado pela OMS, que estratifica as substâncias ativas classificadas em uma hierarquia com cinco níveis diferentes.
O primeiro nível compreende a classificação anatômica/farmacológica principal. Cada grupo principal do ATC é dividido em níveis, sendo o nível dois o grupo terapêutico e o nível três, referente ao grupo farmacológico. Os quarto e quinto níveis são subgrupos químicos.
Neste estudo, os medicamentos foram classificados no nível 1, sendo:
A – Trato alimentar e metabolismo;
B – Sangue e dos órgãos formadores de sangue;
C – Sistema cardiovascular;
D – Dermatológicos;
G – Sistema geniturinário e hormônios sexuais;
H – Preparações hormonais sistêmicas;
J – Anti infecciosos sistêmicos;
L – Antineoplásicos e agentes imunomoduladores;
M – Sistema Musculoesquelético;
N – Sistema Nervoso;
P – Antiparasitários, inseticidas e repelentes;
R – Sistema Respiratório;
S – Órgãos sensoriais;
V – Vários.
Análise dos dados:
Para melhor compreensão dos resultados, a análise dos dados foi exercida duas funções estatísticas: descritiva e inferencial. A análise descritiva traçou o perfil da amostra estudada, contemplando as variáveis analisadas e seus desdobramentos. Os dados foram analisados de forma absoluta, relativas, medidas de tendência central e de variabilidade. No âmbito inferencial, foi traçado como objetivo estatístico, a análise de interdependência e predição entre as variáveis propostas no escopo do trabalho, utilizando-se o teste não-paramétrico de Mann Whitney. Adotou-se o nível de significância de 0,05. As análises estatísticas foram realizadas por meio do Software SPSS Statistics (Versão 23) atreladas às funcionalidades da ferramenta Excel (versão 2.016).
O presente estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa – CEP, por meio da Plataforma Brasil, CAAE 88828318.9.0000.5430, aprovado com o parecer número 2.658.260. Em conformidade com a resolução 466 de 2012, o presente projeto de pesquisa dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, por utilizar o banco de dados, formalmente solicitado e deferido pela instituição proponente.
Resultados O consultório farmacêutico do HEEC apresentou, no período de estudo, predominância de pacientes de idosos, indo de encontro com processo de envelhecimento da população brasileira, o qual apresenta expectativa de vida em pleno crescimento. Neste processo, a senilidade favorece uma transição das condições de saúde, com diminuição de ocorrência de condições agudas e aumento de doenças crônicas, sendo o medicamento, a tecnologia mais utilizada pela população.
Nesse cenário, o acesso ao medicamento se torna fundamental para garantia de uma maior expectativa de vida, com melhor qualidade, além de ser um indicador de garantia de direito, como apontado pela OMS. Embora no Brasil estudos mostrem elevadas prevalências de acesso a medicamentos, tal acesso ocorre ainda de forma desigual, coexistindo com grandes iniquidades sociais, sendo esses dados não tão elevados quando se considera o acesso gratuito.
Estudo realizado com base na Pesquisa Nacional sobre Acesso, a Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos (PNAUM) evidenciou que apenas metade dos brasileiros (47,5%), teve acesso a todos seus medicamentos para o tratamento de doenças crônicas gratuitamente. Em estudo longitudinal com 9.412 pacientes idosos brasileiros, encontrou-se a prevalência na subutilização de medicamentos de 10,6% por restrição financeira. Tais dados denotam a necessidade de rever a viabilização do acesso efetivo aos medicamentos via saúde pública, a fim de garantir o tratamento medicamentoso adequado e o controle das doenças crônicas, evitando, inclusive, onerar as atenções secundárias e terciárias por meio do retorno dos pacientes aos serviços de saúde.
Na casuística desse trabalho, o paciente apresenta um problema de saúde diagnosticado, porém, está sem o tratamento que necessita. Com a interação direta com os outros profissionais da equipe, em especial o médico prescritor, o farmacêutico abre o diálogo acerca do caso, para contribuir na prescrição de medicamentos que atendam as necessidades farmacoterapêuticas com o uso racional dos medicamentos, que confere a eficácia, segurança e ao custo do tratamento, bem como impacte nos resultados clínicos, econômicos e humanísticos em saúde.
A fim de se obter um sinergismo nas ações integrais e, visando um melhor controle da doença crônica, entre as intervenções realizadas no consultório farmacêutico do HEEC, foram elaborados o projetos singulares terapêuticos, que consiste no conjunto de propostas e condutas terapêuticas articuladas com equipe médica, contendo orientações e reforços para empoderamento do paciente, a fim de promover a autonomia e engajemento no tratamento, com impacto na melhor adesão à farmacoterapia.
Em conformidade com a missão do serviço, por se tratar de um hospital escola, os alunos de medicina passaram a receber preceptoria no consultório farmacêutico e acompanham os atendimentos, para compreender a dinâmica e estrutura da Assistência Farmacêutica, os PCDT e a importância do preenchimento correto da documentação.
As especialidades médicas que mais originaram demandas de medicamentos não dispostos na RENAME foram Cardiologia, Reumatologia e Endocrinologia. Paradoxalmente, a Cardiologia e Reumatologia foram também às especialidades médicas que mais solicitaram medicamentos disponíveis na RENAME.
No HEEC, a Comissão de Farmácia Terapêutica (CFT) optou por proibir amostras grátis fornecidas pela indústria e pelos médicos, devido à falta de gestão desses medicamentos que ficavam alocados dentro dos ambulatórios. Foi descartada a possibilidade de trazer para dentro da farmácia central e inviabilizado os farmacêuticos fazerem a gestão desses medicamentos dispersos nos ambulatórios. Considerando que a maioria dos medicamentos de amostra grátis não estavam disponíveis na RENAME, a CFT entendeu que seria fornecido apenas o início do tratamento, e depois, o paciente ficaria desamparado.
Além disso, foi regulado o acesso de propagandistas na instituição, no entendimento que havia um desserviço, pela divulgação de medicamentos não padronizados no hospital e não disponíveis na rede pública de saúde. Foram criadas regras para parcerias com os laboratórios homologados e a abertura para apresentação de novas tecnologias, sobretudo, por se tratar de um hospital escola, entendendo-se que tecnologias farmacêuticas inovadoras e disponíveis no mercado sejam importantes de integrar a educação médica, considerando o compliance das indústrias farmacêuticas e as normas da instituição.
No consultório farmacêutico do HEEC, para os casos refratários, não responsivos ou farmacoterapia ausente para o tratamento da doença na saúde pública, observou-se um aumento significativo nas solicitações administrativas com risco de potencial ajuizamento. Em 81,6% dos casos foi possível realizar intervenções, por meio da atuação farmacêutica, com a utilização de ferramentas técnicas cientificas e saúde baseada em evidencias, com proposta de intercâmbio com tecnologia farmacêutica disponível na saúde pública, a fim de mitigar empenho no repasse pelo SUS.
Também encontrou-se que dos casos cuja demanda de origem foi a não conformidade, 90,2% destes houve intervenção farmacêutica por meio do intercâmbio de medicamentos não disponíveis na saúde pública para tecnologias presentes na RENAME. Dentre as demandas apresentadas com necessidade de intercâmbio, observou-se prescrições de Quetiapina, para o gerenciamento dos sintomas neuropsiquiátricos do Alzheimer, não contemplado nos PCDT, sendo somente liberada para casos de esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo e transtorno afetivo bipolar.
Também necessitaram de intercambio as prescrições com os antidepressivos “duais”, Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina e Noradrenalina (Venlafaxina e Duoxetina), classe órfã na RENAME 2018, substituídos pelos Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina – ISRS (Fluoxetina); e para dor crônica, o Tramadol foi substituído por opióide equivalente (Codeína).
Para os casos cuja demanda estava relacionada a adequações aos processos do PCDT/RENAME, em pouco mais da metade foi realizada a adequação à documentação e outros demandaram assistência clínica farmacêutica, principalmente para solicitação de exames, conforme solicitados nos PCDT, predominantemente àquelas relacionadas ao Sistema Cardiovascular, sobretudo, com medicamento para tratamento dislipidemia (Atorvastatina); Sistema Nervoso para o tratamento de dor crônica (Morfina e Gabapentina), Sangue e órgãos formadores de sangue, para anemia por doença renal crônica (Alfaepoetina) e os Antineoplásicos e agentes imunomoduladores, para tratamento de artrites e doença de Crohn (Infliximab e Adalimumab).
As classes de medicamentos com maior necessidade de adequação de preenchimento da documentação foram Sangue e dos órgãos formadores de sangue para tratamento das Síndromes Coronarianas Agudas (Clopidogrel); Sistema Cardiovascular para dislipidemia (Atorvastatina e Ciprofibrato); e Sistema Nervoso, para tratamento de Alzheimer e Esquizofrenia (Donepezila e Risperidona, respectivamente).
Para a Atenção Básica foram os casos encaminhados para renovação do processo, visto que os PCDT dão abertura para o matriciamento da rede, de forma a não sobrecarregar os serviços de média e alta complexidade. Segundo os PCDT, a continuidade do tratamento pode se dar por meio do compartilhamento da rede, onde os processos iniciais são realizados pelos especialistas e as renovações, a depender do controle da doença, podem ser orientadas a renovar pela atenção básica, permitindo que o usuário dê continuidade ao tratamento até o retorno com o especialista no ambulatório de média-alta complexidade.
Neste estudo, encontrou-se que, dos casos atendidos no consultório farmacêutico no HEEC, aproximadamente 10% foram originadas após a alta hospitalar. Ainda que discreta a proporção, indica a possibilidade de melhoria na qualidade da assistência ao paciente, por meio da alta responsável68, evitando que o paciente fique desconectado na rede de cuidado e deixe de utilizar o medicamento que necessita.
Por fim, pelos resultados deste estudo, pode-se observar a importância do papel do farmacêutico na resolutividade das demandas oriundas das prescrições dos medicamentos, seja nas intervenções realizadas, quanto nas adequações dos processos relacionados aos PCDT.