Introdução O Grupo Vida Longa, convivência da terceira idade, existe há 22 anos, coordenado pela equipe da UBS Padre Eustáquio. É um grupo de promoção à saúde, ao envelhecimento ativo e saudável. Busca a melhoria e manutenção da autonomia, da independência e da qualidade de vida das pessoas idosas. São desenvolvidas diferentes atividades, elaboradas a partir da demanda do grupo.
A coordenação do grupo, juntamente com seus integrantes, elabora um projeto de atividades a serem desenvolvidas ao longo de cada ano. A ideia de trabalhar com teatro surgiu em 2014, motivada pelo desejo das pessoas idosas em representar uma peça, que era um sonho de muitas delas. Além disso, o teatro contribui com vários aspectos do envelhecimento: autonomia, atividade cognitiva, superação, ressignificação de experiências de vida, descoberta de novas habilidades, cidadania, protagonismo, solidariedade.
Objetivos Os objetivos da proposta são:
Promover a funcionalidade e a participação social;
Valorizar e exercer o protagonismo da pessoa idosa;
Estimular a cognição, a expressão e a consciência corporal por meio de atividades que envolvessem a memória, a atenção, a criatividade, a linguagem, a orientação para realidade, oportunidades de aprendizagem, ressignificação de crenças e reconhecimento de emoções;
Estimular a autoeficácia (crença que um indivíduo tem em ser capaz de realizar uma tarefa específica);
Reforçar a solidariedade entre os integrantes.
Público alvo Foram convidados todos os 22 idosos integrantes do Grupo Vida Longa. Todas são mulheres, com idade entre 60 e 90 anos, a maioria são viúvas, residem sozinhas e têm renda como aposentadas ou pensionistas. As condições de saúde mais comuns são as doenças cr
Divulgação A ação foi divulgada para os serviços de atenção básica em saúde da Regional Noroeste, em reunião com gerentes das unidades e com as equipes. Na UBS Padre Eustáquio, a divulgação se deu em sala de espera, nos grupos operativos existentes e em reuniões com
Número de participantes 22
Atividades Atividade 1: Em reunião do Grupo Vida Longa realizada no início do ano de 2014, foi elaborada a proposta de trabalhar com teatro.
Atividade 2: Nas reuniões do grupo, os integrantes foram divididos em pequenos grupos para pensarem o tema que serviria de base para elaboração do texto da peça. O tema estava relacionado às situações vividas pelo idoso no cotidiano, que retratassem o respeito a sua autonomia e situações familiares.
Foi solicitado a cada integrante que escrevesse algo sobre o tema proposto para ser discutido no próximo encontro. Fragmentos de textos foram apresentados para uma possível criação de uma peça teatral. Á partir daí, durante o ano de 2014, o próprio grupo coordenou reuniões e produziu pequenas apresentações.
A coordenação realizou oficinas de voz, de canto, de memória, de expressão corporal, trabalhou timidez, medos, orientações nutricionais e saúde bucal.
No entanto, para a realização da peça e elaboração do texto, a coordenação percebeu que havia necessidade de alguém com experiência em teatro.
Atividade 3: A proposta de montagem de uma peça de teatro com um grupo de idosas foi apresentada para um diretor de teatro e feito o convite para contribuir voluntariamente com o projeto. O mesmo se colocou prontamente à disposição. Participou de um dos encontros do grupo, onde foi apresentado e aceito como colaborador.
Destacamos aqui que o diretor convidado tinha, à época, 17 anos proporcionando uma rica troca intergeracional, que ocorreu com grande maestria.
O diretor propôs apresentação de um pequeno esquete intitulada “As Marias” na confraternização de fim de ano dos grupos realizados pela UBS, para que pudesse conhecer um pouco mais os talentos e características dos integrantes do grupo. A apresentação foi realizada em equipamento municipal e da comunidade em dezembro de 2014.
Atividade 4: Em 2015, foi retomado o projeto de apresentação de uma peça teatral. O tema proposto em 2014 e os fragmentos de textos elaborados pelos integrantes do grupo, foram apresentados ao diretor para que pudesse escrever o roteiro. O mesmo sugeriu que a peça fosse dividida em esquetes para que todos pudessem participar como atores. Além disso, os textos ficariam menores, facilitando a memorização, a marcação de palco, a atuação e um menor tempo dos idosos em cena.
Atividade 5: O diretor inicia seu trabalho de preparação dos atores para a peça. Para isso ele realiza oficinas próprias de teatro: técnicas próprias de teatro, entonação de voz, criação de estórias, trabalho em duplas, pequenas apresentações, estímulo a assistir espetáculos em cartaz na cidade; oficinas de arte para construção do cenário, dramatizações, expressão corporal.
Paralelamente ao trabalho com o grupo, o diretor escrevia o texto que era discutido pelas coordenadoras, para que fizessem as observações necessárias para a reescrita do mesmo. Ao distribuir os papeis e as falas entre os atores outras mudanças eram sugeridas e acatadas pelo diretor. Assim, o texto foi finalizado em uma construção conjunta: diretor, atores e coordenação.
O texto foi dividido em 5 esquetes que retrataram situações e temas do cotidiano do envelhecimento, na qual cada cena buscou levar ao público uma reflexão sobre a vida, sem perder o bom humor. A peça foi intitulada “Na veia das velhas”.
Os temas dos esquetes foram:
1) A jovem velha: “Miranda se recusa a aceitar que o tempo passou, morre de medo da velhice. Mas junto com sua fiel empregada, aprende a lidar com a tecnologia, se apaixona por um jovem que valoriza o envelhecimento e faz com que ela aceite uns aninhos a mais. ”
2) A morte: “Um grupo de lavadeiras é surpreendido com a inesperada visita da morte, dando início a uma verdadeira “lavação de roupa suja” para definirem quem a morte levará. Mesmo sabendo que a morte é certa, ninguém se candidata. A morte vendo a vitalidade das idosas, adia o chamado. ”
3) Perua de Deus: “Eva uma mulher sem papas na língua é apresentadora de um programa de TV que recebe uma convidada (psicóloga) desequilibrada e nada relevante para a vida do telespectador é discutido no programa. A cena termina com a apresentadora dizendo: “nem tudo que a gente vê na TV é fantástico”.
4) Ovelha negra: “Esta cena retrata a convivência intergeracional, onde filha adolescente e mãe não se entendem. A mãe tem dificuldade em aceitar as escolhas de vida da filha, incluindo sua profissão e relacionamento com amigos e namorado. No final, a mãe se reporta à sua própria vida, onde não teve as mesmas oportunidades da filha e passa a aceitar suas escolhas. ”
5) Bordel: “Em um bordel da cidade, as prostitutas envelheceram mas mantêm o desejo sexual e ainda descobrem que existem novas formas de amar.”
6) Todos os atores se apresentam no palco. Um grupo de pessoas idosas, lê uma mensagem para a plateia em forma de jogral se reportando a cada cena: tipos de família, relação familiar, sentimentos na velhice, encontro de gerações, rótulos impostos pela sociedade. Além desses temas, propunham ampliar as atividades costumeiramente realizadas pelas pessoas idosas como viagem a Caldas Novas, bingo e bailes. A fala é finalizada com: “o importante é se permitir a amar, se permitir a ser feliz, se permitir a viver.” Finalmente o grupo cantou a música “ O que é, o que é” de Gonzaguinha.
Atividade 6: A coordenação do Grupo Vida Longa pensou em programar as apresentações em grupos da UBS, em equipamentos da cidade e eventos para idosos. No entanto, o diretor coloca o desafio de apresentar em um teatro oficial da cidade, por dois dias. Desafio aceito, iniciaram os contatos com teatro, equipe de produção do espetáculo, de produção de material de divulgação e venda de ingressos.
O espetáculo foi apresentado em duas noites com a capacidade máxima do teatro esgotada (250 lugares). Um sucesso, mas mais do que isso a realização de um sonho.
Atividade 7: Em reunião do grupo após a apresentação da peça, foi realizada uma avaliação de todo o processo vivenciado com a produção e apresentação do espetáculo.
Resultados O teatro foi uma experiência ímpar para todos os atores da peça e para seus familiares.
Segundo relatos das pessoas idosas, todo esse processo provocou reação dos familiares sobre o talento, a capacidade de superação e a quebra de paradigmas. Foi surpreendente para a família, ver o idoso no palco com desenvoltura e retratando temas polêmicos para a sua geração. Familiares relataram a sua emoção, especialmente das crianças e jovens ao verem seus avós no palco. Por outro lado, os avós se sentiram realizados e felizes por este reconhecimento.
A idosa MP relata: “tive sensações físicas de mal-estar e como foi uma experiência de superação, devido questões pessoais em relação ao meu papel na peça e a relação de homossexualidade” (a idosa vivenciava a aceitação de uma relação homoafetiva na família. O seu personagem contribuiu para esta aceitação).
O diretor observou o crescimento de cada uma nos ensaios e no primeiro e segundo dia de espetáculo.
A idosa I, destaca que inicialmente alguns textos foram “chocantes” devido a certas crenças. O teatro possibilitou a aceitação dessas crenças, a enxergar o “falso pudor” (sic) e a arte como possibilidade de mudança de paradigmas.
A idosa ES relata que ficou “mais leve e alegre” em todo o processo de construção do teatro.
A idosa S, não se propôs a fazer parte dos esquetes, devido a sua timidez. No entanto, participou de todo o processo de preparação da peça e isso fez com que se dispusesse a fazer parte do jogral final. A superação foi tão grande que ela se emociona ao dizer o texto. Ela relata: “Este grupo mudou a minha vida. Eu jamais subiria em um palco, tamanha a minha timidez”. Hoje a idosa participa de todas as atividades propostas no grupo de forma ativa.
O projeto possibilitou ainda:
Superação da timidez
Empatia
Compromisso
Despertar de talentos
Auto confiança
Superação de dificuldades
Empoderamento
Flexibilidade
Para a coordenação do grupo, o teatro também foi uma novidade e um grande aprendizado. O projeto fez pensar o envelhecimento como despertar de talentos e possibilidades. Reforçou a confiança no Grupo Vida Longa como um grupo que pode abrir novas oportunidades com ousadia e alegria. Experienciar a cochia foi um aprendizado nesta arte do teatro. Observou-se mudança no modo de ser e viver o envelhecimento em todas as pessoas que participaram da peça. Além disso, observamos superação de paradigmas e crenças limitantes por trazer a pessoa idosa para discussões de temas da atualidade.
A experiência mostrou que as pessoas idosas participantes do teatro poderiam escolher a tranquilidade, o sossego e o comodismo de sua rotina de atividades. No entanto, abraçaram o teatro como uma nova filosofia de vida assumida para caminhar e viver a velhice com lucidez, responsabilidade e alegria.
Este projeto teve ainda como resultado, a formação de um grupo de teatro autônomo que se nomeou “ Na veia das velhas”, que conta a participação de 50% dos integrantes do Grupo Vida Longa e de integrantes dos outros grupos desenvolvidos pela UBS Padre Eustáquio. Este novo grupo de teatro já apresentou mais 3 peças teatrais na cidade, após o ano de 2015.